Wankan: O Kata Incompleto   Recently updated !


Aldemar Araujo Castro
Criação: 13/05/2013
Atualização: 26/10/2025
Quantidade de palavras: 550
Tempo de leitura: 3 minutos

Entre os muitos mistérios do karatê, poucos despertam tanta curiosidade quanto o kata Wankan, a “Coroa do Rei“, o único conhecido por ter apenas um Kiai. Durante séculos, mestres e estudiosos se perguntaram o porquê. Algumas respostas vieram das lendas, outras da imaginação. Mas tudo mudou quando antigos manuscritos foram encontrados no tronco fossilizado de uma árvore em uma floresta esquecida da China.

Neles, revelava-se a história do lendário Mestre Liu Liu, um homem de 97 anos, cuja serenidade escondia uma força que o tempo jamais domou. Após uma vida inteira dedicada às artes das mãos vazias, ele decidiu transmitir seu último ensinamento ao único discípulo que considerava digno de compreender a verdadeira essência do movimento. E, sob o primeiro raio do sol, iniciou o ensinamento final.

Lentamente, ergueu-se da saudação inicial. O corpo curvado pelo tempo se tornou uma ponte entre o visível e o invisível. Girou em quarenta e cinco graus para a esquerda, afastando lentamente algo que o prendia. Mas a sombra retornou pelo lado direito. O mestre repete o gesto, ainda mais preciso, libertando-se.

Algo se move. Sem olhar, Liu Liu ergue a perna direita, guiado apenas pela percepção do instante. Protege o rosto, o tórax, e avança, três passos firmes, compassados, como batidas de um coração ancestral. Um diálogo sem palavras entre corpo e espírito.

No último passo, varre lentamente com braço e se desfaz daquilo que o tenta envolver, finalizando com dois socos rápidos contra uma presença invisível.

Ato contínuo, depois dos socos. Sem olhar, ele responde ao instinto, não ao medo, com um giro de 90°, a uma nova ameaça. A energia flui, pura, silenciosa. O Mestre desvia da energia da ameaça invisível. Dá um passo à frente, firme e lento, varrendo outra ameaça com um movimento circular e a destrói com dois golpes certeiros e rápidos. Tão intensos que o ar pareceu vibrar.

Ato continuo. Ele gira 180° e bloqueia, o ar vibra novamente. Avança e repete, espelhando o movimento para o outro lado, como quem doma ventos invisíveis ou responde ao eco da própria energia.

Mais um vez em ato continuo, faz um gesto amplo. O braço direito, rompe correntes que não existem, com um soco lateral, é o prelúdio do Kiai. Uma pequena pausa e um movimento com dois golpes, um chute e um soco. Depois outro. E mais um. Três ondas de energia atravessam o espaço. Como parecendo que mestre Liu Liu quer atingir o infinito.

Uma pequena pausa e o mestre gira cento e oitenta graus, com o punho preso a algo que só ele podia sentir, libertou-se num golpe final, amplo e profundo, junto com Kiai destruidor.

Um instante suspenso…

O som ecoa pelas montanhas, atravessando o tempo. Quando o eco se desfaz, o corpo do Mestre Liu Liu já repousa no chão serenamente. Com ele, metade do kata desaparece, restando ao discípulo apenas os 16 kyodos iniciais. O discípulo, em reverência, preservou apenas os últimos movimentos de seu mestre, criando o Wankan, o kata incompleto.

Desde então, cada praticante que executa o Wankan sente que algo falta, e é justamente aí que reside o seu segredo. Mas talvez ele nunca tenha se perdido. Talvez ainda esteja à espera, silencioso, dentro de quem ousar continuar o caminho.

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