O compromisso do estudante de Medicina na era das IAs


Aldemar Araujo Castro
Criação: 25/09/2025á
Palavras: 755
Tempo de leitura: 3 minutos

 

Resumo. Em uma aula de Pesquisa em Ciências da Saúde, percebi que os alunos usavam IA para resolver rapidamente um trabalho de bioquímica sobre a síntese dos ácidos graxos. Interrompi a explicação e perguntei: “Qual a importância deste tema na formação de um médico generalista?”. Ninguém respondeu. Então abri o ChatGPT, que relacionou o conteúdo a situações clínicas como diabetes e obesidade. A turma se envolveu e refletiu. A lição foi clara: a IA pode ser atalho superficial ou ferramenta transformadora. Cabe ao estudante perguntar-se sempre: qual a importância deste tema na sua formação?

 


 

Estávamos em uma aula de Pesquisa em Ciências da Saúde quando percebi que muitos alunos não estavam prestando atenção. O olhar disperso, as conversas paralelas e a pressa em digitar no computador chamaram minha atenção. Logo descobri: estavam ocupados finalizando um trabalho de bioquímica sobre a via de síntese dos ácidos graxos. Ao analisar superficialmente as respostas, percebi a uniformidade e a rapidez com que haviam sido produzidas. Estava claro que tinham recorrido a ferramentas de inteligência artificial para “resolver” a tarefa e se livrar do problema.

Sem perder o ritmo, interrompi a explicação e fiz uma pergunta direta à turma: “Qual a importância da via de síntese dos ácidos graxos na formação de um médico generalista?”. O silêncio tomou conta da sala. Nenhum aluno conseguiu responder. Era como se o tema, que parecia apenas um amontoado de reações bioquímicas, não tivesse qualquer valor prático para eles.

Mantendo o fluxo, abri o ChatGPT diante de todos e digitei a mesma pergunta. A resposta foi imediata e surpreendente: a IA começou a relacionar a síntese dos ácidos graxos ao metabolismo energético, às doenças metabólicas, à obesidade, ao diabetes e até à prevenção cardiovascular pela dieta. De repente, um tema que parecia árido ganhou vida. Vi nos rostos dos alunos uma mudança: os olhos brilharam, a atenção voltou. O que antes era desinteresse transformou-se em curiosidade.

O próprio ChatGPT perguntou se queríamos exemplos adicionais de situações clínicas em que o conhecimento da via seria útil. Aceitei o convite, e juntos mergulhamos em hipóteses reais: o papel do metabolismo nos distúrbios lipídicos, as repercussões da resistência insulínica, os mecanismos fisiopatológicos da síndrome metabólica. Passamos quase trinta minutos explorando esse campo. A turma, antes alheia, agora estava envolvida em uma discussão que conectava ciência básica à prática médica.

Aproveitei o momento para enfatizar uma lição que considero fundamental: a inteligência artificial não pode ser apenas um atalho para escapar das dificuldades do estudo. Quando usada sem reflexão, transforma o aprendizado em algo raso, mecânico, incapaz de formar médicos preparados. Porém, quando guiada por perguntas relevantes, torna-se uma aliada poderosa, capaz de transformar informações abstratas em conhecimento aplicado.

Foi a partir desse episódio que formulei uma regra simples, mas transformadora, que proponho a todos os meus alunos: sempre que concluírem uma atividade com auxílio da IA, façam a si mesmos a pergunta — “Qual a importância deste tema na formação de um médico generalista?”. Essa pergunta não é apenas retórica, mas um compromisso ético e acadêmico. Ela obriga o estudante a refletir sobre o sentido de cada conteúdo, a buscar conexões clínicas e a compreender que estudar não é apenas cumprir tarefas, mas preparar-se para cuidar de vidas. Além da reflexão pessoal, o aluno deve também lançar a mesma pergunta ao ChatGPT, explorando diferentes respostas e exemplos clínicos, enriquecendo ainda mais o processo de autoaprendizado mediado pela inteligência artificial.

Estudar Medicina é, em muitos aspectos, um ato sagrado. Cada conceito aprendido pode representar, no futuro, a diferença entre um diagnóstico precoce e um erro clínico, entre um tratamento adequado e uma falha que compromete a vida do paciente. Por isso, não se trata apenas de “entregar o dever de casa”, mas de assumir responsabilidade sobre a própria formação.

Naquela aula, a lição foi clara. A inteligência artificial pode ser um perigo se utilizada apenas para reproduzir respostas prontas. Mas pode ser uma oportunidade extraordinária quando usada para estimular perguntas, gerar debates e aprofundar a reflexão. Os estudantes que entenderem isso desde cedo não apenas dominarão conteúdos, mas também se tornarão médicos capazes de integrar ciência, tecnologia e julgamento clínico.

O futuro da Medicina não está em rejeitar as inteligências artificiais, mas em aprender a dialogar com elas. O médico do futuro não será substituído pela máquina, mas poderá ser superado por aquele que souber utilizá-la melhor. Por isso, o desafio não é proibir o uso da IA, mas ensinar o estudante a usá-la com consciência, senso crítico e propósito.

A experiência daquela aula de Pesquisa em Ciências da Saúde mostrou que um simples ajuste de postura pode transformar completamente o aprendizado. Bastou mudar a pergunta, transformar a ferramenta em parceira de reflexão e estimular o compromisso pessoal. O resultado foi imediato: alunos antes desatentos passaram a participar ativamente, descobrindo sentido em um tema que julgavam irrelevante.

Assim, concluo com a convicção de que a formação médica na era das IAs exige muito mais do que domínio técnico. Exige disciplina, responsabilidade e consciência de que cada interação com a tecnologia deve fortalecer, e não enfraquecer, o aprendizado. Perguntar-se constantemente, e perguntar a IA, sobre a importância de cada tema é o caminho para evitar a superficialidade e construir uma base sólida para a prática clínica.

Essa é a lição que desejo que meus alunos levem para a vida: a inteligência artificial pode acelerar tarefas, mas apenas o compromisso com o autoaprendizado crítico garantirá a formação de médicos preparados, éticos e conscientes de sua missão.