NPS e CSAT em saúde: gestão baseada em valor, cálculo de lealdade e impacto clínico na adesão
Aldemar Araujo Castro
Criação: 26/11/2025
Atualização: 26/11/2025
Palavras: 1469
Tempo de leitura: 8 minutos
Resumo
Este artigo aprofunda a aplicação das métricas Net Promoter Score (NPS) e Customer Satisfaction Score (CSAT) no cenário da “Saúde Baseada em Valor” (Value-Based Healthcare). Explora-se a distinção crítica entre a satisfação transacional (CSAT) e a lealdade emocional (NPS), detalhando a metodologia de cálculo e a classificação das zonas de qualidade (Crítica a Excelência). O texto discute como a “voz do paciente”, quando transformada em dados estatísticos, revela falhas ocultas na jornada de cuidado, impactando diretamente a adesão terapêutica e a reputação médica. Conclui-se que a gestão de indicadores é indissociável da prática clínica humanizada.
Introdução
A medicina contemporânea atravessa uma mudança de paradigma significativa: a transição do modelo Fee-for-Service (pagamento por procedimento) para o Value-Based Healthcare (saúde baseada em valor). Nesse novo contexto, o “valor” é definido pelos resultados que importam ao paciente divididos pelo custo para atingir esses resultados.
Para o estudante de medicina e o futuro médico, isso significa que a competência técnica, embora obrigatória, não é mais o único pilar de avaliação. A “Experiência do Paciente” (PX) tornou-se um indicador de qualidade assistencial. Para mensurar algo tão subjetivo quanto a experiência de cuidado, ferramentas estatísticas oriundas da gestão, como o CSAT e o NPS, são fundamentais. Elas traduzem sentimentos em dados acionáveis.
1. CSAT (Customer Satisfaction Score): A Análise Transacional
O CSAT é uma métrica tática de curto prazo. Ele funciona como uma “fotografia” de um momento específico da jornada do paciente. Em clínicas, ele é frequentemente utilizado para validar processos operacionais que dão suporte ao ato médico.
- A Pergunta e o Cálculo: A pergunta é direta e fechada, como: “Como você avalia a facilidade de agendamento da sua consulta?”. A escala varia geralmente de 1 a 5 (ou escala Likert).
- O cálculo foca na Top 2 Box: Somam-se apenas as respostas “Satisfeito” (4) e “Muito Satisfeito” (5) e divide-se pelo total de respondentes, multiplicando por 100 para obter a porcentagem.
- Aplicações Clínicas: O CSAT é excelente para identificar gargalos. Se o CSAT da recepção é baixo, mas o do médico é alto, a clínica tem um problema de processo, não de conduta clínica. No entanto, um CSAT alto não garante retorno: um paciente pode estar “satisfeito” com uma consulta barata e rápida, mas não confiar sua saúde a longo prazo àquele profissional.
2. NPS (Net Promoter Score): A Métrica de Lealdade e Confiança
Desenvolvido por Frederick Reichheld (Harvard), o NPS transcende a satisfação; ele mede a lealdade. Na saúde, lealdade é sinônimo de confiança. A premissa é que ninguém recomenda um serviço de saúde a um ente querido (colocando sua própria reputação em jogo) a menos que confie plenamente no profissional.
A Psicologia da Escala (0 a 10):
- Promotores (9-10): São os “advogados da marca”. Na medicina, são pacientes que aderem melhor ao tratamento e defendem o médico em crises de reputação. Eles têm um vínculo emocional com o serviço.
- Neutros (7-8): O perigo silencioso. Eles receberam exatamente o que pagaram, nada a mais, nada a menos. Não há conexão emocional. Se um outro médico oferecer um horário mais conveniente, eles trocam de profissional sem hesitar.
- Detratores (0-6): Pacientes que se sentiram negligenciados. Na era digital, um detrator tem um poder de destruição de imagem amplificado pelas redes sociais.
O Cálculo e as Zonas de Classificação:

Para interpretar o resultado, utilizamos as Zonas de Classificação de Qualidade:
- Zona Crítica: NPS entre -100 e 0. (Alerta vermelho: o serviço perde mais clientes do que ganha).
- Zona de Aperfeiçoamento: NPS entre 1 e 50. (A maioria das clínicas brasileiras opera aqui).
- Zona de Qualidade: NPS entre 51 e 75. (Excelente experiência).
- Zona de Excelência/Perfeição: NPS entre 76 e 100. (Raríssima, atingida por instituições de elite como a Mayo Clinic ou o Hospital Albert Einstein em determinados setores).
[Imagem Sugerida 1: Infográfico comparativo mostrando uma pirâmide. Na base (CSAT) está a “Satisfação Funcional” e no topo (NPS) a “Conexão Emocional”, ilustrando a profundidade de cada métrica.]
3. A Importância do “Porquê” (Feedback Qualitativo)
Uma estatística fria (ex: NPS 45) é inútil sem o contexto. Por isso, a metodologia exige uma segunda pergunta aberta: “O que motivou a sua nota?“.
Na análise dessas respostas abertas (categorização de verbatims), descobre-se a realidade clínica.
Exemplo: Um médico pode ter NPS baixo não por erro diagnóstico, mas porque não olhou nos olhos do paciente (falha de comunicação/empatia).
4. CSAT vs. NPS: O Estudo de Caso (O Paradoxo Pós-Operatório)
Para entender a diferença real entre essas métricas, vamos analisar a jornada de um paciente fictício, o Sr. João, submetido a uma safenectomia (cirurgia de varizes).
A Fase 1: A “Hotelaria” Hospitalar (O Domínio do CSAT)
O Sr. João interna pela manhã.
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A recepcionista é ágil e sorridente.
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O quarto está limpo e o ar-condicionado na temperatura ideal.
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A refeição pós-cirúrgica é saborosa.
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A enfermeira que afere a pressão é muito educada.
Ao receber alta, ele preenche a pesquisa de satisfação (CSAT) no tablet da recepção.
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Pergunta: “Como você avalia as instalações e o atendimento da equipe de enfermagem?”
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Resposta do Sr. João: “Excelente (Nota 5/5)”.
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Conclusão Gerencial Errada: “Nosso serviço é perfeito.”
A Fase 2: A Realidade Clínica em Casa (O Domínio do NPS)
O Sr. João chega em casa. A anestesia passa.
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À noite, a perna começa a latejar e aparece um hematoma extenso que ele não esperava.
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Ele fica assustado: “Será que é uma trombose? Será que estourou um ponto?”.
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Ele tenta ligar para o número que deram na alta, mas cai na caixa postal. Ele manda mensagem no WhatsApp da clínica e ninguém responde porque já passou das 18h.
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Ele passa a noite em claro, com dor e medo, sentindo-se abandonado.
Três dias depois, chega a pesquisa de NPS por e-mail.
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Pergunta: “De 0 a 10, o quanto você recomendaria nossa clínica a um amigo?”
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Resposta do Sr. João: Nota 4 (Detrator).
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Comentário: “O quarto é ótimo, mas quando precisei de ajuda, ninguém me atendeu. Achei que ia morrer de dor.”
A Análise Didática: O Ponto Cego
Aqui está a lição crucial para sua prova e futura prática médica:
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O CSAT mede PROCESSOS (Tangível): O CSAT capturou que a infraestrutura, a limpeza e a cortesia funcionaram. São aspectos operacionais. O Sr. João estava “satisfeito” com o produto (o quarto, a comida).
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O NPS mede RELACIONAMENTO (Intangível): O NPS capturou a quebra de confiança. Para o paciente, a cirurgia não acaba na alta; ela só acaba quando ele está curado. Ao falhar no suporte pós-alta, a clínica quebrou o “contrato de cuidado”.
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O Perigo do Mascaramento: Se o gestor (ou você, como dono da clínica) olhar apenas para o CSAT, verá gráficos verdes e achará que está tudo bem. O NPS baixo é o único sinal de alerta de que, embora a “hotelaria” seja boa, a assistência médica está falhando na continuidade.
Resumo para Fixação
| Característica | CSAT (Satisfação) | NPS (Lealdade) |
| Foco | Curto Prazo / Transacional | Longo Prazo / Relacional |
| O que o paciente avalia | “O quarto estava limpo?” | “Eu me senti seguro/cuidado?” |
| Cenário do Exemplo | Hospitalidade excelente. | Sensação de abandono na dor. |
| Conclusão | O paciente gostou do serviço… | …mas não confia mais no médico. |
Conceito chave: A lealdade (NPS) é muito mais difícil de conquistar do que a satisfação (CSAT), pois exige que o cuidado permaneça mesmo quando o paciente não está mais sob os seus olhos.
Resumo Visual para sua Revisão Mental
Imagine uma pirâmide de conhecimento para sua prova:
- Topo (O Básico): Saber a fórmula do NPS e CSAT. (Você já sabe).
- Meio (A Interpretação): Entender lealdade vs. satisfação e as zonas de qualidade. (Vimos no texto anterior).
- Base (O Avançado): Saber se o dado é confiável (estatística/amostragem) e se ele gera ação (Closing the Loop).
Considerações Finais
Dominar ferramentas como NPS e CSAT é essencial para o médico moderno, não apenas sob a ótica administrativa, mas assistencial. Estudos indicam uma correlação positiva entre uma boa experiência do paciente (PX) e melhores desfechos clínicos (segurança e eficácia).
Ao transformar a percepção subjetiva do paciente em dados objetivos, o estudante de medicina aprende que a técnica cirúrgica ou diagnóstica é apenas metade do trabalho. A outra metade reside na capacidade de gerar confiança e acolhimento. O monitoramento contínuo dessas métricas garante que a prática médica permaneça centrada no ser humano, utilizando a estatística como bússola para a melhoria contínua da saúde.
Fontes
- REICHHELD, Frederick F. The Ultimate Question 2.0: How Net Promoter Companies Thrive in a Customer-Driven World. Harvard Business Review Press, 2011. (A obra definitiva sobre a metodologia NPS aprofundada).
- BERWICK, Donald M. The Triple Aim: Care, Health, and Cost. Health Affairs, 2008. (Artigo seminal que baseia a Saúde Baseada em Valor e a importância da experiência do paciente).
- CLEVELAND CLINIC. Patient Experience (PX) Office Reports. (Referência mundial no uso de dados para melhorar a empatia clínica).
- BERA (Brazilian Experience Research Association). Estudos setoriais sobre NPS em saúde no Brasil.
- ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Dimensão Sustentabilidade e Qualidade. Programa de Monitoramento da Qualidade Assistencial.
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