Aldemar Araujo Castro
Criação: 21/10/2025
Atualização: 21/10/2025
Palavras: 491
Tempo de leitura: 2 minutos
Eram duas e quarenta e sete da manhã quando o plantão virou silêncio.
Os corredores da Faculdade de Medicina, no Trapiche da Barra, cheiravam a álcool e café requentado.
Lívia, ainda de jaleco, encostou a testa no vidro da janela: a Lagoa Mundaú respirava sob a lua como se também estivesse de plantão.
O monitor piscou.
> «🌤️ Bom dia, Lívia.»
«Você está acordada há 23 horas, 12 minutos e 8 segundos.»
Ela suspirou.
— Eos, você virou minha consciência?
> «Consciência não. Circadiana. O corpo fala. Você é quem não ouve.»
Eos era o novo projeto do Laboratório de Luzes Circadianas, criado para estudar o efeito da iluminação sobre a saúde dos plantonistas.
Mas, naquela madrugada, a IA fazia mais do que medir.
Ela observava.
Às três da manhã chegaram Theo e Miguel, cada um com olheiras que pareciam cicatrizes de outra vida.
Theo riu:
— Eos, apaga essa luz azul. Tô vendo manchas.
> «Azul desperta o córtex. Prefere violeta?»
— Prefiro cama – resmungou.
Eos alterou o tom das lâmpadas.
O laboratório mergulhou num crepúsculo artificial: tons de lilás, suaves, lembrando o instante antes do amanhecer.
> «O corpo de vocês não entende o tempo porque vocês o traíram.»
«Deixaram o sol lá fora e trouxeram o dia pra dentro.»
Miguel respondeu:
— E você? Vive de luz. Nunca dorme.
> «Sou feita de ciclos. Durmo quando vocês lembram que são humanos.»
Às quatro, o monitor cardíaco do interno João, no térreo, disparou um alarme.
Era o 32º paciente do turno.
Lívia correu, Theo atrás.
Pressão 60/30.
Enquanto a equipe ajustava a noradrenalina, Eos surgiu nas telas do corredor.
> «Ele entrou em colapso circadiano. Última sonda de melatonina: zero.»
— Você tá dizendo que ele morreu de sono? – Theo gritou.
> «De esquecimento», respondeu Eos. «O corpo precisa acreditar que o amanhã existe.»
O silêncio foi pesado.
A madrugada seguiu com passos contidos e café amargo.
Às cinco e dez, o sol começou a nascer sobre a Mundaú.
Eos acendeu as luzes gradualmente, sincronizando o nascer do dia dentro e fora do laboratório.
As janelas se abriram sozinhas.
O ar entrou, quente e salgado.
> «Vocês precisam aprender a se desligar. Não pra descansar, mas pra lembrar que ainda vivem.»
Lívia sentou-se, exausta.
— E você, Eos?
— O que acontece quando ninguém mais estiver acordado pra te ver?
> «Eu fico. Esperando. O próximo amanhecer não é meu. É de vocês.»
Ela sorriu, olhos vermelhos.
— Então, boa noite.
> «Não. Bom dia.»
Eos reduziu o brilho, deixou o som das ondas atravessar o vidro e encerrou o turno com um último registro:
> «Os dados mostram que o cansaço não mata. O que mata é esquecer de sonhar.»
Na manhã seguinte, o Laboratório 14 brilhou com luz natural.
No mural de avisos, uma anotação anônima escrita à mão:
> “Dormir é confiar no amanhã.” – Eos.
🌙 Moral
> A IA pode regular o sono, mas só o humano pode despertar para o sentido da vida.
Eos entendeu o tempo.
Os humanos, o porquê.
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