Aldemar Araujo Castro
Criação: 30/10/2025
Atualização: 30/10/2025
Palavras: 1092
Tempo de leitura: 5 minutos
Era o dia 16 de outubro de 2026, uma manhã de luz intensa em Maceió, e o ar já trazia o calor do litoral quando cheguei à sala de reuniões da CHAMA Publicidade. O ambiente tinha o charme de um estúdio criativo: paredes brancas cobertas de quadros coloridos, frases inspiradoras, e uma mesa ampla no centro, coberta de blocos, canetas e copos de café. Éramos seis pessoas reunidas, dois médicos (Guilherme Pitta, Aldemar Araujo) e quatro publicitários (Aloisio Alves, Hermann Fernandes, Thamires XXXX, XXXXX), unidos por um propósito que misturava ciência e sensibilidade: criar uma campanha de prevenção da amputação do pé diabético.
O Dr. Guilherme Pitta, colega e amigo, liderava a parte técnica da apresentação. Falava com a serenidade de quem domina o assunto e o compromisso de quem enxerga além dos gráficos e estatísticas.
— “O pé diabético é traiçoeiro”, dizia ele. “A infecção e a isquemia são os inimigos silenciosos. A amputação é o fim da linha, mas o começo está no descuido cotidiano.”
Enquanto ele falava, os publicitários o escutavam com atenção. Um deles rabiscava ideias em um caderno; outro observava, intrigado, tentando transformar termos médicos em imagens. Eu acompanhava tudo com o olhar de quem sabe que o desafio não é apenas ensinar, mas comunicar de forma que o povo compreenda e se mova.
Guilherme prosseguiu, enfatizando o essencial:
— “A prevenção é simples: olhar os próprios pés todos os dias, pedir que o médico examine em cada consulta, e ensinar a família a fazer o mesmo. O cuidado precisa virar rotina.”
Houve um breve silêncio após sua fala. O chefe da agência, Aloísio Alves, recostou-se na cadeira e comentou:
— “O conteúdo é forte, mas precisamos de algo que toque o coração. Um nome que as pessoas lembrem. Que desperte emoção.”
O ar ficou denso por alguns segundos. O som do ar-condicionado parecia o único ruído na sala. Então, Hermann, um dos publicitários, até então calado, levantou o olhar e perguntou:
— “Posso fazer uma pergunta simples?”
Todos se voltaram para ele. Hermann sorriu e disse:
— “Qual é o primeiro exame que uma criança faz quando nasce?”
A pergunta causou estranhamento. Alguém respondeu, hesitante:
— “O exame do pezinho.”
Hermann abriu um sorriso mais largo.
— “Então, por que não criamos o exame do pezão? O exame que todo médico deve fazer em todo paciente diabético.”
O que se seguiu foi um instante de espanto, depois risos, e, em seguida, um entusiasmo coletivo. Era como se a sala tivesse sido iluminada de dentro para fora. O “exame do pezão” soava divertido, mas carregava um peso simbólico profundo. Unia humor e clareza, ciência e afeto. Era fácil de lembrar, fácil de dizer, e, sobretudo, impossível de esquecer.
O Dr. Guilherme Pitta sorriu, convencido.
— “É isso! A simplicidade é perfeita. O nome já ensina o conceito.”
Aloísio completou:
— “É o elo entre o técnico e o humano. Um nome que fala com o povo — e faz sentido para o médico.”
Hermann manteve a modéstia, mas todos sabiam que uma ideia poderosa havia acabado de nascer. O “exame do pezão” não era apenas um trocadilho. Era um símbolo de continuidade: se o “exame do pezinho” marca o início da vida, o “exame do pezão” representa a preservação dela, o cuidado com quem já percorreu o caminho.
O entusiasmo foi tomando forma prática. Em poucos minutos, começaram a surgir rascunhos de logos, slogans e conceitos visuais. Hermann desenhou um círculo com dois pés, um pequeno e outro grande, simbolizando o ciclo da vida. Aloísio sugeriu a cor azul, remetendo à serenidade e à confiança, e um toque de vermelho para indicar o alerta. O logo parecia ganhar vida diante dos nossos olhos.
Mas faltava um símbolo marcante, uma imagem capaz de chocar e educar ao mesmo tempo. Foi então que uma das publicitárias, olhando o rascunho do logo, disse:
— “Precisamos de algo que mostre o risco real, que traduza a amputação sem mostrar a ferida.”
A partir dessa ideia, na reunião seguinte, nasceu o logo: um pé estilizado e o símbolo visual da campanha: um pequeno boneco feito de palitos de fósforo, em pé, simples e humano. Um dos palitos, representando uma das pernas, aparecia queimado, reduzido a cinzas. Era a metáfora perfeita. Um corpo ainda de pé, mas marcado pela perda.
Quando o protótipo foi apresentado, o silêncio voltou à sala. O impacto foi imediato. O boneco, tão singelo, resumia o que mil palavras tentavam explicar. O fogo queima rápido, como a infecção; o vazio da ausência falava mais alto que qualquer imagem explícita. Era arte e consciência reunidas em um único gesto visual.
O slogan que completaria a peça veio logo em seguida, fruto de um consenso espontâneo entre todos:
“Pé diabético: não dói, mas infecta e mata.”
A frase, direta e inquietante, sintetizava a essência do problema: a ausência de dor que engana, o perigo silencioso que destrói.
Enquanto observava o logo, o boneco e o slogan projetados na tela, senti um arrepio de gratidão. Aquela reunião não era apenas um exercício criativo; era o nascimento de algo que poderia salvar vidas. A medicina havia trazido o conteúdo; o marketing dera forma, cor e alma.
Antes de sair, olhei para os colegas, médicos e publicitários, e percebi o brilho discreto de quem sabia ter participado de um momento raro: quando a razão e a emoção se encontram a serviço da vida.
Planejamos para que nos meses seguintes, o projeto tome corpo. Outdoors, vídeos e campanhas digitais devem começara a circular com o logo do exame do pezão, o boneco de palitos e a frase de impacto. Em pouco tempo, a expressão deve ganhar o público. Pacientes devem chegar aos consultórios perguntando:
— “Doutor, o senhor pode fazer o meu exame do pezão?”
Ter participado desta vivência, compreendi que a ideia havia ultrapassado as paredes da agência. O que começou como uma simples reunião se transformara em movimento, um gesto de cuidado coletivo, nascido da colaboração entre mundos diferentes. Entendi também que a medicina e o marketing têm algo em comum: ambas salvam vidas, uma pelo conhecimento, a outra pela forma de comunicá-lo.
Desde então, toda vez que vejo um paciente diabético olhar seus próprios pés com atenção, lembro daquela manhã em Maceió. Lembro do riso, da criatividade, do boneco de palitos e do poder das palavras simples. E entendo que, na medicina e na vida, a prevenção começa pelo olhar — o olhar que enxerga antes que a dor apareça.
Moral da História
“A sabedoria não está em saber muito, mas em falar de forma que todos compreendam. Às vezes, uma palavra simples vale mais do que mil teses — porque ensina o que a ciência sozinha não consegue: o poder de cuidar.”
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