A Fonte 22


Prof. Emil Burihan

Cheguei a São Paulo com o coração carregado de expectativas. Era o início de uma nova fase acadêmica, marcada pela convivência com mestres que eu admirava à distância e que agora teria a chance de acompanhar de perto. Logo nos primeiros dias, o professor Emil Burihan, com sua postura firme e olhar criterioso, me confiou uma tarefa que, à primeira vista, parecia simples: ler as teses das quais ele seria membro de banca e preparar relatórios sobre forma e conteúdo.

Aceitei o desafio com entusiasmo. Eu sabia que não se tratava apenas de revisar textos acadêmicos. Aquilo era um passaporte para um universo restrito, a engrenagem silenciosa que antecedia as grandes defesas públicas de mestrado, doutorado, livre-docência e até de professor titular. Durante todo o tempo em que permaneci na UNIFESP, acompanhei quase uma centena de bancas em que Emil atuava como avaliador. Eu tinha o privilégio de ler previamente as teses, discutir cada uma com ele, absorver sua lógica crítica, e depois assistir ao grande momento, a defesa pública, onde o conhecimento era colocado à prova diante da comunidade acadêmica.

Guardo viva a lembrança da primeira tese que analisei. Dediquei horas à leitura atenta, anotei observações, organizei ideias e redigi um relatório de quatro páginas. O texto estava cuidadosamente estruturado, revisado com zelo. Quando entreguei ao professor Emil, senti o peso da responsabilidade. Aquele era meu primeiro gesto real de contribuição à engrenagem acadêmica da instituição.

Mas algo me incomodava. Ao folhear o relatório, percebi que, embora bem escrito, o texto em fonte tamanho 12 tornava a leitura cansativa. As linhas se amontoavam, exigindo esforço visual. Imaginei o professor, no meio de uma defesa longa e exaustiva, tentando localizar trechos importantes naquele emaranhado de letras pequenas. Eu havia cumprido a tarefa, mas não da melhor forma.

Foi então que tive uma ideia ousada. Preparei uma nova versão do relatório, agora com fonte tamanho 22, espaçamento confortável e páginas numeradas. Para justificar a mudança, inventei uma desculpa: disse que o primeiro documento era uma versão desatualizada. Aquele, sim, era o definitivo.

Entreguei o novo relatório sem saber como seria recebido. A reação foi imediata. Ao abrir as páginas, Emil percebeu a clareza, a facilidade de leitura, a organização visual. Era outra experiência. O texto saltava aos olhos, permitindo rápida localização de pontos-chave e leitura fluida mesmo em ambientes formais e sob pressão.

Sem dizer muito, Emil adotou a novidade. E assim, discretamente, nasceu um novo padrão.

Nas semanas seguintes, em cada banca que participava, o professor levava consigo não apenas sua experiência e rigor crítico, mas também os relatórios que eu produzia, agora sempre em fonte 22. Ao longo dos meses, foram dezenas de defesas em que aquela pequena inovação esteve presente. Teses de mestrado, doutorado, livre-docência, até disputas para professor titular — todas acompanhadas por relatórios que eu aprendia a refinar a cada nova entrega.

O trabalho se tornou um processo de aprimoramento contínuo. Cada relatório era uma chance de melhorar a clareza, de sistematizar argumentos, de criar esquemas que facilitassem a consulta rápida durante os debates. Percebi que não bastava resumir a tese. Era preciso construir um instrumento de trabalho, uma ferramenta útil para o avaliador no calor da defesa.

Com o tempo, aprendi que a forma é tão importante quanto o conteúdo. Um texto pode ser brilhante, mas se não for acessível, perde impacto. A escolha da fonte, do espaçamento, da numeração, dos títulos e subtítulos, tudo isso compõe a experiência de leitura e, em última instância, influencia a decisão de quem avalia.

O mais impressionante era perceber como uma pequena mudança podia ter efeito tão grande. A fonte 22 não alterava o conteúdo, mas transformava a forma de acessá-lo. Era como acender uma luz em uma sala já conhecida: de repente, tudo se tornava mais nítido.

Essa lição me acompanhou para além da sala de cirurgia vascular. Na vida acadêmica, na prática médica, na escrita de artigos, aprendi a pensar não apenas no que quero comunicar, mas em como comunico. Clareza é respeito. Tornar o conhecimento acessível é um gesto de generosidade, de cuidado com o outro.

Anos depois, muitas vezes me vi lembrando daquela primeira tese e daquele relatório em fonte 22. Em cada aula que preparei, em cada artigo que revisei, em cada orientação a alunos, ecoava a mesma ideia: não basta dominar o conteúdo; é preciso entregá-lo de forma que o outro possa compreender, utilizar e transformar em ação.

 

A Lição da Fonte 22

O que parecia apenas uma experiência técnica de ajustes tipográficos tornou-se uma metáfora para a vida. Assim como um texto pode ser mais ou menos legível conforme a forma escolhida, também nossas atitudes, nossas ideias e até nossos sentimentos precisam ser comunicados de maneira clara e acessível. Não adianta carregar a mente de conteúdos se eles não chegam ao outro de forma simples e eficaz.

O professor Emil, ao adotar o novo padrão, me ensinou sem palavras que a verdadeira sabedoria está em valorizar soluções práticas, mesmo que pareçam triviais. Não é necessário reinventar a ciência a cada dia. Às vezes, basta aumentar a fonte para que o conhecimento brilhe.

 

Moral da História

“A sabedoria não está apenas em produzir conhecimento, mas em apresentá-lo de forma clara. Tornar o difícil acessível é um ato de generosidade e respeito ao próximo. A fonte 22 me ensinou que, muitas vezes, a grandeza está nos detalhes.”