VERSÃO 1
Uma Noite, Dois Jovens e Uma Grande Lição de Empreendedorismo
Era por volta das dez horas da noite quando aconteceu algo aparentemente simples, mas que me trouxe uma reflexão profunda sobre comunicação, vergonha, coragem e empreendedorismo. Eu estava em uma confraternização de adultos, um ambiente descontraído, leve, mas já em clima de encerramento, quando dois adolescentes se aproximaram. Carregavam uma caixa de papelão com, no máximo, vinte unidades de pequenas tortas caseiras — ou, como eles chamavam, torteletes.
A princípio, poderiam passar despercebidos. Estavam ali para vender, mas não tinham a postura de vendedores. O olhar baixo, os ombros retraídos, e a forma como se mantinham um pouco afastados do grupo mostravam a timidez que dominava aquele momento. Eu percebia claramente que não era fácil para eles abordar estranhos, interromper conversas ou enfrentar a possível rejeição de um “não, obrigado”.
O Propósito Por Trás da Venda
Esses jovens não estavam vendendo torteletes por vaidade ou capricho pessoal. O dinheiro arrecadado seria destinado às atividades da igreja da qual faziam parte. Isso, por si só, já adicionava um peso maior à missão deles. Não se tratava apenas de trocar produto por dinheiro, mas de cumprir uma meta coletiva, de contribuir para um bem maior. Carregar essa responsabilidade, ainda tão jovens, já era um exercício de amadurecimento.
O preço de cada tortelete era de cinco reais. Algo simples, acessível, mas que, para quem está diante de vinte unidades e precisa convencer várias pessoas em pouco tempo, parecia uma barreira gigante.
A Vergonha e o Silêncio
Apesar de terem sido convidados a circular entre as pessoas para oferecer, percebia-se que estavam paralisados. Um misto de vergonha e medo de rejeição fazia com que segurassem a caixa, mas não levantassem a voz. Esse detalhe chamou minha atenção. Quantas vezes, em diferentes áreas da vida, não temos um bom produto, uma boa ideia, ou até mesmo uma excelente oportunidade, mas não conseguimos colocá-la diante das pessoas certas por falta de confiança ou habilidade de comunicação?
Ali, diante de mim, estava uma metáfora viva do que acontece diariamente no mundo dos negócios: o fracasso não vem da qualidade do produto em si, mas da ausência de uma boa estratégia de divulgação.
A Intervenção
Foi nesse instante que decidi agir. Chamei os dois, Gabriela e Léo, e os apresentei para o grupo. Mas não apenas como adolescentes vendendo torteletes. Dei a eles uma narrativa, um contexto, algo que desse força e credibilidade àquela iniciativa.
Com o microfone em mãos, anunciei:
“Pessoal, aqui estão Gabriela e Léo. Eles estão vendendo torteletes deliciosos. O preço normal dessas tortas é de sete reais, mas eles estão fazendo hoje uma promoção especial para o nosso grupo: apenas cinco reais cada uma. Quem quiser apoiar, levante o braço que eles vão até você.”
O efeito foi imediato. Em questão de minutos, todas as unidades estavam vendidas. Aquilo que parecia difícil, quase impossível para eles, se transformou em uma cena de entusiasmo coletivo. Pessoas riam, chamavam os dois, pediam uma ou duas unidades. Em poucos instantes, a missão estava cumprida.
O Que Aconteceu, de Fato?
Ao analisar a situação, percebo que não foi a qualidade do produto que mudou — as torteletes eram as mesmas. Também não foi o preço, que já estava acessível. O que realmente mudou foi a forma de apresentação. Eu criei um pitch, uma pequena fala capaz de atrair a atenção das pessoas e despertar nelas o desejo de participar daquela compra.
O público estava ali, predisposto. Bastava alguém traduzir a timidez em mensagem clara. Isso me fez refletir: não basta ter um bom produto, é preciso comunicá-lo de maneira eficaz.
Conceitos de Empreendedorismo em Cena
Esse episódio, embora simples, condensou lições essenciais para qualquer empreendedor:
- Produto: As torteletes representavam a qualidade. Eram visivelmente bem preparadas, apetitosas e acessíveis. Ou seja, havia valor intrínseco.
- Preço: Estava dentro de uma faixa justa. A comparação com o preço normal de sete reais reforçou ainda mais a percepção de oportunidade.
- Praça (Público): O grupo reunido era um público-alvo favorável. Pessoas em um ambiente de confraternização, abertas a apoiar causas sociais e dispostas a gastar pequenas quantias.
- Promoção (Divulgação): Este foi o ponto frágil inicialmente. Faltava voz, narrativa, convencimento. Quando esse elemento foi adicionado, o ciclo se completou.
Em termos de marketing, foi um exemplo clássico do mix dos quatro Ps funcionando — mas só depois que o último, a promoção, foi acionado de forma adequada.
O Papel da Vergonha
É importante destacar a questão da vergonha. Para Gabriela e Léo, aquele momento era desafiador. Abordar desconhecidos, se expor, correr o risco do não. Esse é um bloqueio que muitos empreendedores enfrentam. Quantas boas ideias ficam guardadas, não por falta de potencial, mas por medo da exposição?
Aqui está outra lição: superar a vergonha é parte do caminho do empreendedorismo. Quem não arrisca ouvir um “não”, jamais terá a chance de conquistar o “sim”.
A Força da Narrativa
O que realmente convenceu as pessoas não foi apenas o preço. Foi a narrativa. Ao dizer que o valor original era sete reais e que havia uma promoção para aquele grupo específico, criei uma sensação de exclusividade e oportunidade. Além disso, ao citar que os dois faziam parte de uma igreja e que o valor tinha um destino coletivo, trouxe propósito. Não era apenas comprar uma torta, mas apoiar uma causa.
Essa combinação — oportunidade mais propósito — é poderosa. É o que move mercados inteiros hoje em dia. Consumidores não compram apenas produtos; compram histórias, compram causas, compram pertencimento.
Reflexões Finais
Ao final daquela noite, percebi que o que parecia um episódio trivial tinha se transformado em uma verdadeira aula prática de empreendedorismo. Gabriela e Léo aprenderam que não basta carregar um bom produto. É preciso saber apresentá-lo, contar sua história e direcioná-lo ao público certo. Eu, por minha vez, fui lembrado de algo que às vezes esquecemos: todos nós temos ideias, projetos e talentos que precisam de voz.
Se ficarmos em silêncio, eles se perdem. Mas quando ousamos falar, quando encontramos a forma adequada de comunicar, portas se abrem.
Esse episódio reforça a importância de olhar para além do óbvio. Vender uma torta não é apenas uma transação comercial. É um exercício de coragem, de comunicação e de conexão humana.
E a grande lição é esta: empreendedorismo não é apenas ter algo bom para oferecer. É, sobretudo, ter a capacidade de comunicar, envolver e transformar um simples produto em uma experiência significativa para quem compra e para quem vende.
VERSÃO 2
Da Venda de Torteletes à Lição de Empreendedorismo: Uma Análise Acadêmica
Introdução
As experiências cotidianas frequentemente revelam lições práticas de empreendedorismo que transcendem as salas de aula e os manuais técnicos. O episódio vivenciado em uma confraternização, no qual dois adolescentes ofereceram torteletes para arrecadar fundos em prol das atividades de sua igreja, apresenta um exemplo emblemático de como a comunicação e o posicionamento de um produto podem determinar o sucesso ou o fracasso de uma iniciativa de venda.
Este relato, aparentemente trivial, carrega um potencial pedagógico: nele estão contidos elementos dos clássicos 4 Ps do marketing (produto, preço, praça e promoção), além de aspectos emocionais como vergonha, narrativa e propósito.
A Narrativa do Caso
Dois adolescentes, Gabriela e Léo, aproximaram-se de uma confraternização de adultos com cerca de vinte torteletes à venda. O preço unitário era de cinco reais, valor abaixo do praticado em outras ocasiões (sete reais). Apesar da qualidade do produto e da clareza do propósito (arrecadar fundos para a igreja), a timidez dos jovens os impedia de se comunicar adequadamente.
Diante da dificuldade, houve uma intervenção: a apresentação formal dos jovens, com a criação de uma narrativa de valor, exclusividade e propósito. O resultado foi imediato: em poucos minutos, todas as unidades foram vendidas.
Análise Conceitual
1. O Produto
O primeiro pilar do marketing, segundo Kotler e Keller (2012), é o produto. Neste caso, tratava-se de um alimento caseiro, atrativo visualmente e percebido como de boa qualidade. O valor intrínseco estava presente. Contudo, como já ressaltava Drucker (1986), “o produto por si só não garante o sucesso, é necessário que seja desejado pelo cliente”.
2. O Preço
O preço de cinco reais representava uma vantagem competitiva em relação ao valor usual de sete reais. Churchill e Peter (2010) destacam que o preço é um sinalizador de valor para o consumidor. Ao explicitar que havia uma promoção, criou-se o efeito psicológico de oportunidade.
3. A Praça (Público-Alvo)
O público estava em um ambiente descontraído, predisposto ao consumo por impulso e, sobretudo, inclinado a apoiar causas sociais. Como ensina Las Casas (2017), compreender o perfil do público é essencial para adequar a abordagem. O erro inicial dos jovens foi não explorar esse ambiente favorável.
4. A Promoção (Comunicação)
Foi aqui que se concentrou o ponto frágil. Sem comunicação clara, o produto permaneceu invisível. Kotler (2018) enfatiza que a promoção é o elo que conecta produto e público. Quando houve a intervenção, transformando a timidez em discurso estruturado, o ciclo de marketing se completou.
Aspectos Psicológicos da Venda
A vergonha dos adolescentes ilustra um fenômeno recorrente no comportamento empreendedor: o medo da rejeição. Segundo Ries (2012), startups fracassam não apenas por falhas técnicas, mas pela incapacidade de validar e comunicar suas ideias. No caso, Gabriela e Léo tinham um produto validado, mas não conseguiam romper a barreira psicológica da exposição.
O episódio demonstra, ainda, o poder da narrativa. Ao criar uma história que combinava exclusividade (promoção para aquele grupo) e propósito (destinação religiosa dos recursos), foi possível mobilizar o público. Estudos recentes em neuromarketing (Morin, 2011) mostram que narrativas ativam áreas emocionais do cérebro, aumentando a propensão à compra.
O Papel do Facilitador
Outro elemento importante foi a atuação do facilitador. No mundo dos negócios, essa figura pode ser comparada ao mentor ou ao pitch man, alguém capaz de traduzir potencial em mensagem. Christensen et al. (2016) ressaltam que a inovação muitas vezes precisa de mediadores para alcançar aceitação social.
No caso analisado, o facilitador exerceu três funções:
- Validação social: ao apresentar os jovens, conferiu legitimidade.
- Estrutura de discurso: forneceu clareza e concisão na mensagem.
- Mobilização coletiva: estimulou o engajamento rápido do público.
Lições Empreendedoras
- Ter um bom produto não basta. É preciso saber apresentá-lo e comunicá-lo adequadamente.
- O público certo potencializa o resultado. O ambiente da confraternização era favorável, mas foi necessário ativá-lo.
- A narrativa cria valor além do preço. Exclusividade e propósito aumentaram a disposição para comprar.
- A vergonha pode ser um obstáculo maior que a falta de recursos. Superar esse bloqueio é parte da jornada empreendedora.
- O mentor/facilitador pode ser decisivo. Muitas iniciativas juvenis ou iniciantes precisam desse suporte inicial.
Aplicações em Sala de Aula
Esse caso pode ser trabalhado em cursos de empreendedorismo e marketing como um estudo de caso real, de baixo custo e alta aplicabilidade. Professores podem convidar os alunos a refletir:
- Como Gabriela e Léo poderiam ter superado a timidez?
- Que outras estratégias de promoção poderiam ser usadas?
- Se o preço fosse mais alto, o resultado teria sido o mesmo?
- De que forma essa experiência se conecta com os 4 Ps do marketing?
Além disso, pode ser um exercício para simulação de pitch, em que os alunos criam narrativas curtas para vender produtos simples, explorando não apenas a lógica, mas também a emoção do público.
Conclusão
O episódio da venda de torteletes mostra que o empreendedorismo está presente em situações simples do cotidiano. Ele reforça a ideia de que a comunicação é tão importante quanto o produto em si. Para Gabriela e Léo, aquela noite representou um aprendizado prático; para quem observou, foi a confirmação de que o sucesso nos negócios depende da integração entre produto, preço, público e, sobretudo, promoção.
Assim como no mercado competitivo, não adianta ter qualidade se não houver voz. Não adianta ter propósito se não houver narrativa. Não adianta ter público se não houver abordagem. Esse caso é, portanto, um retrato em miniatura do que acontece diariamente em qualquer empreendimento — da pequena venda de rua até grandes corporações.
Referências
- Christensen, C. M., Raynor, M. E., & McDonald, R. (2016). What is disruptive innovation? Harvard Business Review, 94(12), 44–53.
- Churchill, G. A., & Peter, J. P. (2010). Marketing: Criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva.
- Drucker, P. (1986). Inovação e espírito empreendedor. São Paulo: Pioneira.
- Kotler, P. (2018). Marketing 4.0: Do tradicional ao digital. Rio de Janeiro: Sextante.
- Kotler, P., & Keller, K. L. (2012). Administração de marketing. 14. ed. São Paulo: Pearson.
- Las Casas, A. L. (2017). Administração de marketing: conceitos, planejamento e aplicações à realidade brasileira. São Paulo: Atlas.
- Morin, C. (2011). Neuromarketing: The new science of consumer behavior. Society, 48(2), 131–135. https://doi.org/10.1007/s12115-010-9408-1
- Ries, E. (2012). A startup enxuta. São Paulo: Leya.